Proprietários de fazendas têm retirado o gado de
áreas invadidas na BA (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Pela manhã, caminhão foi incendiado. Na sexta-feira, indígena foi baleado.Área na cidade de Pau Brasil é alvo de conflito entre índios e fazendeiros.
Um homem foi encontrado morto na tarde deste sábado (21), em uma
fazenda na cidade de Pau Brasil, região sul da Bahia, onde ocorrem
disputas pela posse de terras entre índios e fazendeiros.
Segundo a produtora rural Cleile Marta, que faz parte do sindicato da
categoria no município, o trabalhador rural foi assassinado com um tiro
na nuca na sexta-feira (20). O corpo foi retirado da propriedade pela
polícia por volta das 14h deste sábado.
“Infelizmente, mais uma vida se foi. A polícia trabalha com a hipótese
de execução. Ele trabalhava nessa fazenda, a Santa Rita. Ontem [sexta],
um vizinho de fazenda informou que havia um corpo lá dentro, mas só hoje
[sábado] os policiais vieram atuar na retirada”, afirma a sindicalista,
que acompanhou o trabalho de resgate do corpo até a delegacia de
Polícia Civil de Pau Brasil. De lá, ele deve ser levado para o
Departamento de Polícia Técnica (DPT), de Itabuna, onde morava.
Na delegacia de Pau Brasil, ninguém foi encontrado para comentar a
morte. Até por volta das 17h, as equipes de investigação permaneciam na
rua atuando na apuração do assassinato.
“O delegado acompanhou tudo e já apontou a possibilidade do crime de
execução", informa a produtora rural. Os autores do crime não foram
localizados.
Caminhão incendiado
Um caminhão onde estavam trabalhadores rurais foi incendiado na manhã
deste sábado, também na cidade de Pau Brasil. Ninguém ficou ferido.
Segundo testemunhas, vaqueiros que usavam o veículo para seguir até
propriedades rurais e retirar cabeças de gado foram obrigados a fugir
correndo antes do caminhão ser incendiado. Na delegacia, eles contaram
que foram abordados por homens encapuzados e armados. Os suspeitos não
foram localizados.
O homem que dirigia o carro relatou que os trabalhadores chegaram a
sofrer agressões, como chutes, antes de conseguirem correr para fugir do
grupo.
"Cerca de 12 homens foram até uma fazenda retirar o gado. Homens
atiraram contra o caminhão de boiadeiro. Aconteceu entre 8h e 9h. Eles
furaram os pneus e espancaram os trabalhadores. Todos deram queixa na
delegacia de Polícia Civil", afirma Cleile Marta.
Índio baleado
Um rapaz indígena de 29 anos foi baleado nas pernas na tarde desta sexta-feira, na cidade de Pau Brasil. O cacique Nailton
Muniz, que coordena as ocupações na cidade, conta que o índio tinha ido
pescar na represa da fazenda Água Branca e foi surpreendido pela
presença de alguns homens, que dispararam contra ele.
O representante da Funai na cidade, Wilson Jesus de Souza, aponta que o
crime foi cometido por "pistoleiros" de um fazendeiro que teve suas
terras ocupadas pela população indígena. De acordo com ele, o homem foi
baleado por volta das 13h e socorrido por outros índios para o Hospital
de Base, na cidade vizinha de Itabuna. Neste sábado, ele permanece
internado e deve ser submetido a cirurgia.
Disputa
Desde janeiro, os índios já invadiram 68 fazendas. Eles querem ocupar
54 mil hectares de terra, entre os municípios de Itaju do Colônia,
Camacan e Pau Brasil.
Em Itaju do Colônia, foram invadidas todas as fazendas que, segundo a
Fundação Nacional do Índio (Funai) estão dentro da área que seria da
reserva indígena. No total, são 57 fazendas ocupadas só no município.
Segundo o sindicato dos produtores da região, mais de 500 trabalhadores
rurais já foram demitidos nas propriedades tomadas pelos índios.
Garantia de território
Em nota à imprensa, a Funai informou que as ocupações são estratégicas
para a garantia de posse do território tradicional do índio. "Frente à
espera de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação proposta
ainda em 1982, os pataxó hã hã hãe passaram a ocupar, desde janeiro
deste ano, áreas que se encontram no interior da terra indígena mas que
ainda são exploradas por fazendeiros. A decisão é tomada pelas
comunidades indígenas e embasada em seus laços culturais e afetivos com
suas terras, enquanto não se efetiva a plena proteção territorial a que
fazem jus".
A Funai aponta que os índios têm, constitucionalmente, garantida a
proteção de terras no sentido de favorecer a qualidade de vida e os
costumes da população. Também indica a recorrência de "graves" violações
aos direitos humanos dos índigenas como a morte, segundo a Funai, por
omissão de socorro, de José Reis Muniz de Andrade, em fevereiro deste
ano. "A ocupação de áreas tem se mostrado como uma estratégia para
grupos que se encontram impedidos de gozarem de seus direitos
territoriais, especialmente em áreas em que há grave ameaça à qualidade
de vida dos indígenas e do meio ambiente de suas terras. Por ordem
constitucional, é garantida a proteção das terras indígenas com
condições ambientais e sociais mínimas para a manutenção dos modos de
vida desses povos, segundo seus usos, costumes e tradições", afirma a
nota.
Pedido de nulidade
Segundo o chefe da coordenação da Funai em Pau Brasil, Wilson Jesus de
Souza, o objetivo dos índios não é a posse das terras, e sim, a nulidade
dos títulos que garantem a posse aos fazendeiros. Ele afirma que, em
abril de 1982, a Funai entrou com um pedido junto ao Supremo Tribunal
Federal requerendo a nulidade dos títulos de terra que foram concedidos
aos fazendeiros.
O representante da Funai explicou que os índios reivindicam 54.100
hectares, área que foi demarcada como território índigena entre 1937 e
1938. "Dez anos após a demarcação das terras, em 1948, o Serviço de
Proteção ao Índio (STI), órgão que era vinculado ao Ministério da
Agricultura, inicia um processo de arrendamento das terras para os
fazendeiros. Nessa época os índios não tinham que aceitar ou não, eles
simplesmente eram obrigados a se submeter a determinação do STI, porque o
STI era quem coordenava, administrava e dava as ordens na terra”,
afirma.
O coordenador da Funai conta que, na medida em que os fazendeiros
recebiam as terras, os índios acabavam sendo expulsos. “Nesse período
houve uma grande chacina de índios. Isso aconteceu entre 1938 e a década
de 1970. Eram 50 mil índios nesse território e hoje existe pouco mais
de três mil índios na região sul”, explica. Wilson ainda comenta que, em
1926, houve uma primeira tentativa de demarcar os 54.100 hectares como
território indígena, mas acabou sendo barrado pelos fazendeiros que
dominavam a região cacaueira na época.
Ele também relata que, na década de 1970, já não havia índios na região
e apenas oito famílias indígenas conseguiram continuar morando em
aldeia na região de Itaju do Colônia. Nessa época, vários líderes
indígenas se reuniram e formaram uma comissão, que foi até algumas
capitais brasileiras, entre elas, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília,
para reivindicar às autoridades a posse das terras que ficam no
“Território Indígena Catarina Paraguassu”, informou Wilson Souza.
De acordo com o coordenador, em 1976, três anos após a criação da
Funai, a antropóloga Maria Hilda Baqueiro Paraíso, da UFBA, produziu um
relatório identificando os índios que moravam ou trabalhavam na região
e, a partir do trabalho, a Funai, em 1982, reúne os índios que estavam
dispersos em uma fazenda chamada São Lucas, área de 1079 hectares, e
reembolsou o fazendeiro que estava na terra, área que já havia sido
demarcada como território indígena. “A Funai achou que seria rápido o
processo de reintegração e ingressou com uma ação de nulidade dos
títulos que estavam dentro dos 54.100 hectares junto ao Supremo Tribunal
Federal. A partir daí inicia a luta pelas terras e os Índios aguardam
uma determinação judicial”.